Artigo Científico

EVANGELHO DE JOÃO: UMA ABORDAGEM PARACLETOLÓGICA [1]

Kleyzer Couglhan de Alencar Bruce[2]



RESUMO     

Dentre os Evangelhos, João se destaca pela profundidade devocional, espiritual e teológica, especialmente no que tange à Cristologia, Paracletologia e Soteriologia. Ele foi escrito para combater as heresias que já assolavam a Igreja do primeiro século da era cristã. O objetivo principal de João é mostrar que Jesus é o Messias, o Filho de Deus, o Salvador do mundo. Outro propósito de seus escritos é prover a certeza de que os discípulos de Cristo jamais estariam órfãos em sua caminhada espiritual, já que o Espírito Santo lhes seria posto por Ajudador ou Consolador, lembrando-lhes os ensinamentos do Mestre da Galileia e capacitando-os ao cumprimento da tarefa de alcançar o mundo inteiro com a mensagem transformadora do Evangelho. Desde o Antigo Testamento o Espírito Santo se manifestou na história da humanidade, ainda que de maneira gradativa, quer seja criando, ungindo pessoas para tarefas específicas, dirigindo o seu povo e inspirando profetas e escritores bíblicos. Em o Novo Testamento o Espírito Santo atinge o ápice de sua revelação, sendo João o primeiro a trazer à luz os detalhes de sua pessoa divina, seu querer, seu modo de agir e seu papel na obra de salvação da humanidade perdida.

Palavras-chave:Evangelho de João. Espírito Santo. Cristologia. Soteriologia.


INTRODUÇÃO

A Paracletologia, do grego πaraklhtoV (‘parákletos’, aquele que ajuda a alguém) e logo(‘lógos’, tratado),é a área de conhecimento teológico que estuda de forma sistemática temas relacionados ao Espírito Santo.Seu fundamento escriturístico inicia-se no Antigo Testamento, nos relatos da criação,na trajetória dos patriarcas e nas mensagens dos profetas de Judá e Israel.
No ministério de Cristo a ideia do Espírito Santo apresentado como pessoa divina, e não somente como “força ativa impessoal” ou “poder” de Deus, se consolidou.O evangelho de João captou a ênfase que o Mestre da Galileia atribuiu ao Espírito Santo como Deus e como partícipe imprescindível no plano de salvação da humanidade, quer seja na conversão, na justificação, na regeneração, na santificação e na glorificação, além de capacitar a Igreja no cumprimento da Grande Comissão, ou seja, na evangelização e no discipulado de todos os povos, tribos, línguas e nações (cf. Mateus 28:19,20; Marcos 16:15; Atos 1:8).
Clemente de Alexandria,ainda no século II d. C., observou que os evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas não possuíam o mesmo ponto de vista de João, ou seja, enquanto este apresentava o ministério de Jesus por meio de verdades espirituais recebidas do Senhor, os conteúdos daqueles geralmente se constituíam de relatos biográficos. Ao mesmo tempo, há no Evangelho de João um destaque especial sobre a pessoa e a obra do Espírito Santo, o “outro Consolador” ou “outro Auxiliador”, que o Pai enviaria para lembrar aos discípulos os ensinamentos de Jesus e guiá-los em toda a verdade.


1   VISÃO PANORÂMICA DO EVANGELHO DE JOÃO
           
            João, o evangelho preferido de Martinho Lutero, é provavelmente o mais comentado dentre todos os evangelhos. Considerado como possuidor de extrema profundeza devocional, espiritual e teológica, destaca-se dos Evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) por suas peculiaridades. A maior diferença se faz notar nos longos discursos de Jesus, desconhecidos dos sinóticos e característicos de João.
Os relatos dos sinóticos mostram Jesus mais presente na Galileia, enquanto que em João, Jesus aparece quase sempre em Jerusalém, na Judeia, ora no meio do povo, participando das festas religiosas judaicas, ora recolhido em oração no monte das Oliveiras.
Outra característica importante é que nos sinóticos os discípulos levam muito tempo para compreender quem é Jesus e confessá-lo como Messias, enquanto que em João, pessoas como André, Filipe, Natanael e a mulher samaritana sabem imediatamente quem Ele é e o reconhecem como o Salvador,o Filho de Deus, o Rei de Israel, cuja vinda havia sido prometida pelo Senhor através de seus santos profetas.
Mateus, Marcos e Lucas destacam Jesus como pregador de multidões. Já em João ocorre o destaque para os diálogos particulares, como no caso de Nicodemos, Pilatos ou Pedro, por exemplo.Nos três primeiros evangelhos Jesus ensina sobre o Reino de Deus (ou dos Céus) por meio de parábolas. No quarto evangelho o Nazareno ensina por meio de discursos e diálogos que tratam de seu relacionamento com o Pai, da vida eterna, da vida cristã e do Espírito Santo.

1.1    Autoria, local e data
            Do próprio evangelho se extraem importantes informações a respeito de sua autoria. Em João 21:20-24 se lê que ele foi escrito pelo discípulo a quem Jesus amava. Este mesmo discípulo estava ao lado de Jesus na última ceia (cf. João 13:23). Ele também é o discípulo que estava diante da cruz de Jesus e a quem o Mestre confiou os cuidados de sua mãe terrena (cf. João 19:26). Provavelmente também é ele a testemunha da morte de Cristo (cf. João 19:35).
Juntamente com Pedro ele corre para o túmulo na manhã do dia da páscoa e se convence de que o túmulo está vazio (cf. João 20:2). Quando Cristo ressuscitado preparou uma pesca maravilhosa para os apóstolos — especialmente para Pedro — esse discípulo é o que primeiro reconhece a Jesus (cf. João 21:7).
Vale ressaltar que o escritor do quarto evangelho reivindica o privilégio de ter sido testemunha ocular do ministério de Jesus (cf. João 1:4), além de demonstrar um estilo semítico em sua redação e possuir conhecimento acurado sobre os costumes dos judeus. Ele também atesta ser profundo conhecedor da topografia da Palestina. Além disso, há o relato de detalhes vívidos que só poderiam ser esperados da parte de alguém que conviveu com Jesus.
A única dúvida que pode pairar é o real motivo da ausência da citação de seu próprio nome no texto sagrado, o que pode ser justificado por razões de extrema modéstia ou mesmo por uma elegância de estilo.
            Aliando tais argumentos às tradições da igreja primitiva, deduz-se que João, um pescador da Galileia, irmão de Tiago e filho de Zebedeu, foi quem escreveu o quarto evangelho. De particular importância é o testemunho de Irineu, discípulo de Policarpo, o qual, por sua vez, fora discípulo do próprio apóstolo João.
            A maioria dos especialistas nos escritos do Novo Testamento é da opinião que este evangelho foi produzido no final do primeiro século da era cristã, sendo então posterior a Marcos – o primeiro evangelho– Mateus e Lucas.
            O local mais provável onde João o teria escrito é a cidade de Éfeso, capital da província romana da Ásia.
      
1.2    Destinatários
Os destinatários imediatos dos escritos do Novo Testamento podem ser classificados em quatro grupos representativos: judeus, romanos, gregos e Igreja.  Daí se entende o porquê da necessidade de quatro Evangelhos: um para cada grupo, de acordo com seu caráter, suas necessidades e seus ideais.
Mateus escreve aos judeus, apresentando Jesus como o Rei Messias. Marcos escreve aos romanos, apresentando-o como o Servo sofredor e Lucas, por sua vez, escreve aos gregos mostrando Cristo como o Homem perfeito. João se dirige à Igreja do primeiro século revelando Jesus como o Filho de Deus e proclamando as verdades mais profundas do Evangelho tanto no que diz respeito à divindade de Cristo, quanto à pessoa e obra do Espírito Santo. A este respeito Pearlman afirma:

“Cristãos de todas as partes, de Igrejas estabelecidas pelo trabalho dos apóstolos, passaram a solicitar uma declaração das verdades mais profundas dos ensinos de Jesus. João escreveu seu evangelho para satisfazer a esse apelo [...] As doutrinas sobre alguns dos temas mais profundos do Evangelho – a preexistência de Cristo, a encarnação, a relação com o Pai, a pessoa e a obra do Espírito Santo – indicam que foi escrito para um povo espiritual.” (PEARLMAN, 2006, p. 265)


1.3    Esboço do livro
Pearlman (2006, p. 265-279) propõe a divisão didática do Evangelho de João nos seguintes tópicos e subtópicos:
       I. Prefácio (1.1-18)
            1. A manifestação de Cristo na eternidade (1:1-5)
            2. A manifestação de Cristo no tempo (1:6-18)
      
       II. A manifestação de Cristo ao mundo (1:19–6:71)
1. O testemunho de João Batista (1:19-34)
2. O testemunho dos primeiros discípulos (1:35-51)
3. O primeiro milagre e primeira purificação do Templo (2)
4. Entrevista com Nicodemos (3:1-21)
5. O testemunho de João a seus discípulos (3:22-26)
6. O ministério de Jesus em Samaria (4:1-43)
7. A cura do filho do oficial do rei (4:43-54)
8. A cura do paralítico, seguida por um discurso (5)
9. Multiplicação dos pães; discurso sobre o pão da vida (6)
      
       III. Rejeição às reivindicações de Cristo (7:1–12:50)
1. Jesus na festa das cabanas (7)
2. A mulher adúltera (8:1-11)
3. Discursos sobre a luz do mundo e a liberdade espiritual (8:12-59)
4. A cura de um cego de nascença (9)
5. O discurso do bom pastor (10:1-21)
6. Jesus na festa de dedicação (10:22-42)
7. A ressurreição de Lázaro (11:1-46)
8. A rejeição final de Cristo pela nação (11:47-12:50)
      
       IV. A manifestação de Cristo a seus discípulos (13–17)
1. Discursos de despedida (13–17)
2. A oração intercessória (17)
      
       V. A humilhação e glorificação de Cristo (18–21)
1. A traição e prisão (18:1-18)
2. O julgamento perante Caifás e Pilatos (18:19–19:16)
3. A crucificação (19:17-42)
4. A ressurreição (20:1-10)
5. A manifestação de Jesus aos seus discípulos (20:1a–21:25)

1.4    Mensagem
            O amor de Deus é a principal mensagem deste evangelho (cf. João 3:16).
Um dos pilares do relacionamento entre o Pai Celeste e a humanidade foi, é e sempre será o amor. O Deus que é o Senhor supremo do Universo e da humanidade é um Deus de amor.
            João replica este ensinamento ao escrever sua primeira epístola, dizendo: "... Quem ama é filho de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não o conhece, pois Deus é amor." (BÍBLIA, 1João 4:7-8, p. 1278).
            Esta verdade basilar do caráter de Deus é reiterada pelo apóstolo Paulo, quando expressa: “Mas Deus mostrou o quanto nos ama: Cristo morreu por nós quando ainda vivíamos no pecado” (BÍBLIA, Romanos 5:8, p.1141).
Partindo deste princípio, João complementa que o amor de Cristo e o amor por Cristo unem as pessoas em uma comunidade, como um rebanho que possui um só pastor (cf. João 10:16).
            João ainda desenvolve o conceito de vida eterna (aionioV, ‘aionios’) cujo sentido é duplo. Primeiramente é a vida verdadeira que começa agora mesmo (cf.João 5:24), quando a pessoa crê em Jesus (cf. João 3:36; 6:40,47). Em segundo lugar é a vida após a morte, vida com Deus para sempre (cf. João 10:28).

1.5    Gênero literário
Hörster (1996) destaca que o evangelista João usa um estilo inconfundível, que também é reconhecível na primeira carta de João. Ele convida o leitor à reflexão. Para ele, João não foi escrito para pessoas com pressa, mas para aqueles que procuram algo para meditar profundamente. O estilo é reforçado no prefácio, mas também é encontrado em muitos outros lugares do evangelho, principalmente nos discursos e na oração sacerdotal (cf. João 17).
Jesus, sendo um oriental, fala em estilo de meditação. Vemos em João uma forma de pensar em círculos, como é comum na retórica oriental. Ela não é retilínea, objetiva, como seria de se esperar da retórica grega. A forma semítica trabalha mais com repetições, afirmações paralelas e alusões a coisas já ditas. Temos, portanto, no evangelho de João, a pregação de Jesus em uma linguagem que se adequa perfeitamente aos leitores de fala grega. Mesmo assim, o autor manteve o estilo de Jesus, que correspondia à forma oriental de desenvolver o pensamento.

1.6    Contexto histórico-religioso
Entre os estudiosos do Novo Testamento, tornou-se predominante a convicção de que o pano de fundo religioso do evangelho de João é, sobretudo, o Gnosticismo, do grego gnosi(‘gnosis’, conhecimento), que negava a encarnação histórica e autêntica de Jesus, tornando sem efeito Sua obra salvífica realizada em favor da humanidade perdida. Silva define:

“O Gnosticismo, doutrina filosófico-religiosa surgida no primeiro século da história da Igreja, que misturava ensinos da filosofia grega com elementos da religião babilônica (leitura dos corpos celestes); cerimonialismo judaico (guarda de dias, meses e anos); dualismo persa (mau e bom, luz e trevas) e doutrinas cristãs, defendia que Deus era um ser inacessível...” (SILVA, 2006, p. 61)


Haviam pelo menos duas ramificações desta heresia. A primeira corrente, o Gnosticismo Docético, ensinava que Jesus teria sido apenas um fantasma com aparência humana. Seus adeptos não admitiam que o sofrimento e morte de Cristo tenham sido reais, pois um ser espiritual não pode sofrer e tão pouco morrer. Já a segunda corrente, o Gnosticismo Cerentiano, separava Jesus (uma pessoa humana) de Cristo (um espírito angélico). Para os cerentianos era impossível que um espírito pudesse assumir uma forma humana, pois se corromperia. Logo, eles acreditavam que Cristo (espírito) havia possuído temporariamente Jesus (corpo) a fim de realizar os sinais registrados nos Evangelhos.
O teólogo liberal Rudolf Karl Bultmann, ao comentar o evangelho de João,destaca haver semelhanças entre ele e os escritos gnósticos, ao encontrar o mesmo dualismo luz-trevas, de cima-de baixo, morte-vida, Deus-mundo. Ele também pontua que o conceito da verdade tem importância especial nesses escritos, assim como relacionamento com o ser supremo e também com as outras pessoas. Ele ainda ressalta que esses escritos também falam de um personagem de salvação, um enviado celestial, que desce como a revelação, atrai as centelhas de luz divina e as leva de volta para Deus. Para ele, o paralelismo com o prólogo de João não pode ser ignorado. No entanto, ao contrário do que Bultmann pensava, os escritos de João combatem de maneira contundente os falsos ensinos gnósticos – ainda que mascarados de “verdade” – através da exposição da doutrina da plena humanidade de Cristo e o mistério da sua encarnação, sem, contudo, negar sua plena divindade. No prólogo do seu evangelho, ele revela:

“No começo, aquele que é a Palavra já existia. Ele estava com Deus e era Deus [...] A Palavra se tornou um ser humano e morou entre nós, cheia de amor e de verdade. E nós vimos a revelação da sua natureza divina, natureza que ele recebeu como filho único do Pai.” (BÍBLIA, João 1:1,14, p. 1056)


Outra heresia divulgada nesta época chamava-se Ebionismo. O Ebionismo era ensinado  por um grupo de judeus convertidos ao Cristianismo que rejeitavam a divindade de Jesus. Eles acreditavam que Jesus era um mero homem, mas sem pecado, fruto da relação natural entre José e Maria. Seu ministério e os sinais que ele operou foram fruto de dons sobrenaturais do Espírito Santo, adquiridos após o batismo no Jordão. Além dos ebionitas negarem a deidade de Jesus, faziam a Igreja incorrer no pecado da idolatria, adorando um homem que não era Deus.
O Evangelho segundo João foi escrito com objetivo de refutar tanto o Gnosticismo quanto o Ebionismo. Daí a ênfase na divindade de Jesus.


2   A REVELAÇÃO  PROGRESSIVA DO ESPÍRITO SANTO NAS ESCRITURAS

A doutrina da Trindade, e por consequência a doutrina do Espírito Santo, faz parte da revelação progressiva que Deus manifestou a respeito de Si mesmo nas páginas das Escrituras Sagradas, tendo como ápice a época dos escritos do Novo Testamento.
No tempo em que Moisés escreveu o Pentateuco as religiões conhecidas eram politeístas. Deste modo, a triunidade e a unicidade do Ser divino por certo poderiam causar muita confusão na mente dos judeus recém-resgatados da influência da idolatria, pois sob a liderança de Moisés o povo rompeu com todas as formas de politeísmo que conheceram no Egito.
Portanto, ao longo da história bíblica, Deus vai paulatinamente descortinando diante de seu povo e de toda a humanidade os atributos, a vontade, os sentimentos e o modo de agir do seu Santo Espírito.

2.1    O Espírito Santo na percepção do Antigo Testamento
Apesar de serem encontrados poucos substratos nas Escrituras veterotestamentárias sobre os atributos da divindade do Espírito Santo (רוּחַ הַקָּדוֹשׁ, ‘Ruach haKadosh’), percebe-se em diversos livros Sua maravilhosa atuação, o que permite inferir inúmeras das manifestações de Suas obras. Sobre esta constatação Farrand comenta:

“O que é ressaltado a respeito do Espírito Santo [...] na totalidade do Antigo Testamento, é decididamente mais aquilo que Ele faz do que aquilo que Ele é. O antigo Testamento praticamente nada diz a respeito da personalidade do Espírito Santo, mas está cheio das obras do Espírito, a partir dos atos criados em Gênesis...” (FARRAND, 2012, p. 108, grifo do autor)


A primeira menção bíblica ao Espírito de Deus encontra-se no livro do Gênesis, onde se lê que “... o Espírito de Deus se movia por cima da água.” (BÍBLIA, Gênesis 1:2, p. 13). Esta citação demonstra Sua participação ativa na Criação, em perfeita harmonia e cooperação com o Pai e o Filho.
No livro de Salmos, um belo hino de louvor descreve a Criação como obra do Espírito Santo, conferindo a Ele tanto o status de autor, como de sustentador de todas as coisas, quando declara: “Porém, quando lhes dás o sopro de vida, eles nascem; e assim dás vida nova à terra.” (BÍBLIA, Salmos 104:30, p. 575).
Davi reconheceu que sem a sua presença, sua vida não tinha sentido, sua alma estava perdida. Em sua oração de contrição, o rei salmista clamou:

“Ó Deus, cria em mim um coração puro e dá-me uma vontade nova e firme. Não me expulses da tua presença, nem retires de mim o teu santo Espírito. Dá-me novamente a alegria da tua salvação e conserva em mim o desejo de ser obediente.” (BÍBLIA, Salmos 51.10-12, p. 538)


Ao Espírito (רוּחַ, ‘Ruach’, vento, respiração, influência) é atribuída a capacidade de trazer novamente à vida, ou de ressuscitar, que é o sentido bíblico de “avivamento”.
A referência mais explícita sobre o avivamento produzido pelo Espírito Santo, encontrada no Antigo Testamento,está na “Visão do vale dos ossos secos” dada pelo Senhor ao profeta Ezequiel:

“Então o Senhor me disse: Homem mortal, profetize para o vento; diga que o Senhor Deus está mandando que ele venha de todas as direções para soprar sobres esses corpos mortos a fim de que vivam de novo. Então profetizei conforme a ordem que eu havia recebido. A respiração entrou nos corpos, e eles viveram de novo e ficaram de pé...” (BÍBLIA, Ezequiel 37:9-10, p. 828)


O Antigo Testamento, pelas razões anteriormente expostas, apresentava uma visão estritamente monoteísta da divindade. Como o Decálogo regulamentava a adoração exclusiva a Deus, a percepção da teologia judaica tornava inadmissível a existência de “outra” pessoa divina.O primeiro mandamento já preconizava: “Não adore outros deuses; adore somente a mim” (BÍBLIA, Êxodo 20:3, p. 81).
Em sua oração matinal, todo judeu praticante faz a seguinte declaração extraída da Torá: “Escute Israel! O Senhor é nosso Deus, o Senhor é Um”(cf. Deuteronômio 6:4).
Observa-se que, apesar do pecado da idolatria ser um mal recorrente ao longo da história hebraica, o cativeiro babilônico (605-536 a.C.) extirpou definitivamente este câncer espiritual do coração da nação eleita.Talvez por isso, a ideia de Trindade não coubesse na cosmovisão teísta do judaísmo, e por isso, o Espírito Santo é compreendido apenas como a sabedoria, o conhecimento, a capacidade ou o poder de Deus (cf. Isaías9:11) que habilitava reis, sacerdotes, profetas e líderes do Antigo Testamento a cumprirem os desígnios divinos.
Ladd esclarece:

“O ruach Yahveh, no Antigo Testamento, não é uma entidade separada, distinta; é o poder de Deus – a atividade pessoal na vontade de Deus, atingindo um objeto moral e religioso. O ruach de Deus é a fonte de tudo o que está vivo, de toda a vida física [...] Também é a fonte de todas as preocupações e indagações religiosas, despertando líderes carismáticos, como juízes, profetas ou reis.” (LADD, 2001, p. 272)


Farrand ainda acrescenta:

“O Espírito Santo começou a lidar com os homens imediatamente após a queda [...] Embora pouca coisa seja dita especificamente a respeito do Espírito Santo nas referências a estes homens, sabemos que foram guiados por Ele à medida em que obedeciam a Deus. O Espírito de Deus opera nas vidas dos homens sem chamar a atenção a Ele mesmo.” (FARRAND, 2012, p. 108)


2.2   O Espírito Santo na percepção do Novo Testamento.

Em contraste com o Antigo Testamento, em que o Espírito de Deus era dado por medida, ou seja, de maneira estrita e temporária a fim de que reis, sacerdotes, profetas ou líderes do povo de Deus exercessem seus ofícios, no Novo Testamento o Espírito é dado indistintamente e abundantemente a todos aqueles que, após passarem pelo novo nascimento, O buscam e permitem que Ele opere através de suas vidas.
Se por um lado, na Antiga Aliança (Lei), é dada ao Espírito Santoa ênfaseem “vir sobre os homens” para o exercício de tarefas específicas, na Nova Aliança (Graça) Ele passa a “habitar o íntimo” dos discípulos de Jesus, conforme o que foi prometido por Jesus antes de Seu sacrifício na cruz do Calvário:

“O mundo não pode receber esse Espírito porque não o pode ver, nem conhecer. Mas vocês o conhecem porque ele estará em vocês e viverá em vocês. – Não vou deixá-los abandonados, mas voltarei para ficar com vocês.” (BÍBLIA, João 14:17-18, p. 1079, grifo nosso).

Somente os salvos podem receber a “segunda bênção”. Apenas aqueles que já se converteram e tiveram suas vestes espirituais lavadas pelo sangue de Cristo podem se tornar templos do Espirito Santo.
O mundo não O vê porque esta é principal objeção do homem carnal que se levanta contra os ensinos acerca do Paráclito Divino. Apesar de não O percebermos com os olhos naturais, podemos reconhecer sua presença quando Ele age nos corações dos homens.Sua presença não traz apenas a paz e o gozo celeste, mas produz na vida dos crentes uma nova natureza que muda radicalmente sua maneira de agir, falar e pensar, tornando-os a cada dia mais parecidos com Cristo, cumprindo-se o que ensinava o apóstolo Paulo: “Mas o Espírito de Deus produz o amor, a alegria, a paz, a paciência, a delicadeza, a bondade, a fidelidade, a humildade e o domínio próprio...” (BÍBLIA, Gálatas 5:22-23, p. 1195).
De modo inverso, o homem do mundo, que nunca teve qualquer experiência com o Espírito Santo, nada conhece a respeito dEle. Para conhecer e dar valor às coisas espirituais é necessário que haja uma mudança de coração, de mentalidade.
O apóstolo Paulo ensinava aos cristãos de Corinto:

“Mas quem não tem o Espírito de Deus não pode receber os dons que vem do Espírito e, de fato, nem mesmo pode entendê-los. Essas verdades são loucura para essa pessoa porque o sentido delas só pode ser entendido de modo espiritual” (BÍBLIA, 1Coríntios 2:14, p. 1158).


A Igreja do primeiro século já provava de manifestações geradas pelo Espírito, intensificadas a partir do Pentecostes (cf. At 2). Aqueles crentes afirmaram que Ele dirige a evangelização (cf. Atos 16:6); conduzo crente (cf. Romanos7:14); intercede (cf. Romanos 8:26-27); conduz a comunidade cristã (cf.Atos 13:4; 15:28; 20:28); impulsiona a profecia (cf. Atos 11:27-28; 21-11); ordena (cf. Atos11:12; 13:2); dá carismas ou dons (cf. 1Coríntios 12:7-11); se expressa com frases coerentes (cf. Atos 8:29); pode-se resistir a Ele (cf. Atos 7:51), etc. Também é identificado como Deus (cf.Atos 5:3-4; 28:25-26; Hebreus 3:7-11; 2Coríntios 3:17), incluindo-se em fórmulas trinitárias (cf. 2Coríntios 13.14; 1Coríntios 12.1-7).
O Espírito Santo age na Igreja especialmente através dos dons ou carismas dados aos crentes não por merecimento, mas por graça, conforme sua única e exclusiva vontade. Sobre este aspecto, o apóstolo Paulo é categórico em dizer que “Ele dá um dom diferente para cada pessoa, conforme ele quer.” (BÍBLIA, 1Coríntios 12:11, p. 1168).
Alencar afirma que “os dons do Espírito Santo são os instrumentos de poder que conduzem com sucesso a operação e administração do trabalho” (ALENCAR, 2013, p. 169).
Os dons do Espírito de Deus são incontáveis, pois sua sabedoria é “multiforme” (cf.Efésios 3:10). Entretanto, o texto sagrado elenca pelo menos vinte e dois dons que podem ser didaticamente classificados e enumerados assim:
§  Dons de serviço ou dons operacionais (cf. Romanos 12:6-8): [1] dom de profetizar (pregação), [2] dom de servir (diaconia), [3] dom de ensinar (discipulado), [4] dom de exortar (ânimo), [5] dom de repartir (contribuição), [6] dom de presidir (autoridade) e [7] dom de exercer misericórdia (socorro);
§  Dons de manifestação ou dons espirituais (cf. 1Coríntios 12; 14): [8] dom da palavra da sabedoria, [9] dom da palavra do conhecimento, [10] dom de discernimento de espíritos, [11] dom da variedade de línguas; [12] dom da interpretação de línguas; [13] dom da profecia; [14] dom da fé; [15] dom de operações de milagres ou maravilhas; [16] dons de curar;
§  Dons de ministério ou dons ministeriais (cf. Efésios 4:11-13): [17] dom de apóstolo; [18] dom de profeta; [19] dom de evangelista; [20] dom de pastor; [21] dom de mestre.
§  Dom supremo (cf. 1Coríntios 13): [22] dom do amor (ágape, o amor sacrificial).
            Estes dons possuem propósitos bem definidos nas escrituras e os cristãos são exortados a buscá-los com fervor a fim de que por meio deles o Corpo de Cristo – a Igreja – seja edificado.
            Alencar enumera pelo menos quatros destes propósitos:

“Deus quer que esses dons estejam presentes na igreja até a volta de Cristo com a finalidade de: 1) Manifestar a graça, o poder e o amor do Espírito Santo entre seu povo; 2) Ajudar a tornar mais operante a pregação do evangelho aos perdidos; 3) Fortalecer e edificar espiritualmente tanto o individual como o coletivo; 4) Equipar eficazmente o crente na batalha espiritual contra Satanás e as hostes infernais.” (ALENCAR, 2013, p.174-175)
 

2.3    O Espírito Santo na percepção dos Evangelhos
A revelação trazida pelo Novo Testamento, em especial nos Evangelhos, causa a mudança de paradigma quanto à compreensão da pessoa e obra do Espírito Santo. Ele é apresentado aos seus leitores como um Ser pessoal e não apenas uma força ativa impessoal.
Tanto os sinóticos, quanto João concordam que Jesus foi revestido pelo Espírito, a fim de cumprir sua missão messiânica e que esta tarefa incluía uma dotação geral do Espírito e que os seus discípulos seriam capacitados pelo Espírito para fazer face a quaisquer dificuldades que pudessem encontrar.
Segundo Pearlman,“Os discípulos, mediante seu contato pessoal com Cristo, e o seu recebimento do poder milagroso (Mateus 10:1), conheciam as manifestações do Espírito” (PEARLMAN, 1982, p. 141).
Dentre as muitas provas, os evangelistas destacam que Ele ensina e recorda (cf. João14:26), dá testemunho (cf. João 15:26), conduz à verdade (cf. João 16:13), glorifica (cf. João 16:14), revela (cf. Lucas 2:26), etc.
Precisamente por seu caráter divino, não se deve blasfemar contra ele, pois Ele tem um nome comum com o Pai e com o Filho (cf. Mateus 28.19-20) e por isso deve ser reverenciado. A este respeito o evangelista Marcos adverte: “Mas as blasfêmias contra o Espírito Santo nunca serão perdoadas porque a culpa desse pecado dura para sempre.” (BÍBLIA, Marcos 3:29, p. 981).
           

3   ÊNFASES PARACLETOLÓGICAS NO EVANGELHO DE JOÃO

No evangelho de João o Espírito Santo recebe um destaque especial. Assim como nos demais evangelhos, Ele desce e permanece em Jesus desde começo do seu ministério (cf.João 1:31), denotando que o Pai dá a Jesus do Seu Espírito sem medida (cf.João 3.34).

A partir do capítulo 14 de seu evangelho, João passa a descortinar aspectos descritivos que até então nenhum escritor bíblico havia mencionado e que só seria complementado um pouco mais tarde, através da consolidação da Teologia Paulina.
Eis a opinião de Ryle:

“Nenhum dos outros evangelistas faz declarações tão completas como as que vemos neste evangelho, sobre a divindade de Cristo, a justificação pela fé, os ofícios de Cristo, a operação do Espírito Santo e os privilégios dos que crêem. Sem dúvida, Mateus, Marcos e Lucas não silenciaram sobre estes grandes ensinamentos. Mas, no Evangelho de João, eles se destacam...” (RYLE, 2013, p. 5, grifo nosso)


Em João, Jesus apresenta o Espírito Santo como “o outro Consolador”. A expressão grega aqui é alloV πaraklhtoV (‘allosparákletos’, outro [da mesma natureza] consolador), usada por Jesus para mostrar que Deus enviaria o Espírito Santo a fim de ser de modo invisível e espiritual aquilo que Ele próprio havia sido para os discípulos de modo visível e literal, durante os três anos e meio de convivência.
A respeito disto Pearlman explica:“O Espírito, portanto, vem como ajudador e advogado, preenchendo as necessidades dos apóstolos que se sentiam tão fracos e indefesos ao pensar na partida de Cristo” (PEARLMAN, 1982, p. 141).
Em grego πaraklhtoV (‘parákletos’), que deriva do verbo πarakaleo (‘parakaléo’, ajudar ou confortar),às vezes transliterado como “paráclito”, quer dizer ajudador ou advogado, no sentido forense, ou seja, alguém chamado para ficar ao lado de uma pessoa para ajudá-la de qualquer modo, especialmente em processos penais.
Esta mesma palavra também é aplicada em 1João 2:1 para designar a pessoa de Cristo, que é o advogado de seus discípulos diante do Pai nos céus.
Hoje, o Espírito Santo é para os crentes o que Jesus era para os apóstolos. Ryle enfatiza:

“Temos um Amigo na corte celestial, um Advogado junto ao Pai, e, se O honrarmos entregando ao Pai em nome de Cristo todas as nossas súplicas, temos a sua promessa de que serão respondidas. Mas precisamos estar seguros de que as coisas que Lhe pedimos têm em vista o bem de nossas almas e não os benefícios temporários.” (RYLE, 2013, p. 189)

  
3.1    OEspírito Santo e a obra redentora
O evangelista João ratifica a participação do Espírito no plano divino de salvação da humanidade. É o Espírito Santo quem convence, limpa, transforma e santifica o pecador, tornando-o filho de Deus e capacitando-o a produzir o fruto do Espírito, revelando ao mundo o caráter de Cristo. Somente através dEle o ser humano recebe a capacidade de ser tudo aquilo que Deus quer que sejamos.
           
3.1.1   O Espírito Santo e o convencimento do pecador
Em João 16:8-11 fica evidente que a ação diretiva do Espírito na obra redentora está ligada ao convencimento do pecador. Primeiro Ele reprova ou convence de pecado. Em segundo lugar o Espírito convence da justiça e, por último, convence do juízo. Ladd entende que “Se a função primária, do Espírito, em relação aos crentes, é a de mestre e intérprete, em relação ao mundo ele é um acusador.” (LADD, 2001, p. 281).
Jesus esclarece: “Quando o Auxiliador vier, ele convencerá as pessoas as pessoas do mundo de que elas têm uma ideia errada a respeito do pecado e do que é direito e justo e também do julgamento de Deus.”(BÍBLIA, João 16:8, p. 1081).

a) Convencimento do pecado
A obra de convicção do pecado é obra peculiar do Espírito, que pode fazê-la eficazmente. O Espírito Santo adota o método de condenar primeiro o pecado e depois consolar.
Em geral, existe uma compreensão errada do que é o pecado. Os devassos afirmam que o pecado não existe e que cada um é livre para fazer o que a sua consciência mandar. Outros, os ascetas, afirmam que “tudo” é pecado e acabam vivendo sob uma religiosidade opressora e estéril.
O Espírito convence o mundo do pecado. Ele nãose limita asimplesmente dizê-lo. O Espírito convence de que cada pecado tem nome e precisa ser confessado de maneira objetivaÀquele que pode perdoar (cf.1João 1:9).
Ele mostra que o pecado é um fato e que por causa da imundícia que ele provoca, faz os seres humanos serem aborrecidos por Deus. A ação do Espírito mostra que a fonte do pecado é a natureza humana corrupta e que seu fim é a morte eterna (separação de Deus).
O mundo põe sua confiança nas boas obras dos homens, mas o Espírito demonstra que todo o mundo é culpável perante Deus e que só por meio de Cristo alguém pode se tornar aceitável diante do Pai das Luzes.

b) Convencimento da justiça
Ele convence o mundo da justiça, pois Jesus de Nazaré foi Cristo, o justo. Além disso, dá a certeza de que a justiça de Cristo nos é imputada para justificação e salvação.As pessoas do mundo pensam que podem, por sua própria justiça (boas obras ou sacrifícios), agradar a Deus e alcançar a salvação. Mas o Espírito veio para convencer que o padrão de justiça é muito elevado para qualquer mortal.Ele mostra de onde se obtém a justiça e como podem os pecadores ser aceitos por justos segundo o critério de Deus.
Aressureição e ascensão de Cristo provam que o resgate foi aceito e consumada a justiça por meio da qual os crentes foram justificados.

c) Convencimento do juízo
O Espírito convence do juízo porque o príncipe deste mundo já está julgado. Tudo estará bem quando for rompido o poder do que tem feito todo o mal. Como Satanás já foi vencido por Cristo, isto nos dá confiança, porque nenhum outro poder pode resistir ante Ele.
Ele ensinará toda a verdade sem reter nada que seja proveitoso, porque mostrará coisas vindouras. Todos os dons e as graças do Espírito, todas as línguas e milagres, são para glorificar a Cristo.
Algumas pessoas pensam que são tão pecadoras que não há solução para o seu dilema espiritual. O Espírito veio para convencê-las de que estão erradas. E igualmente estão errados aqueles que acham que não haverá um ajuste de contas. Pensam que a vida acaba com a morte e não se apercebem das consequências eternas do pecado. O Espírito mostra que os ímpios serão condenados e os justos poupados.
Sem a revelação clara de nossa culpa e perigo nunca entenderíamos o valor da salvação de Cristo, mas quando se nos dá a conhecer corretamente, começamos a entender o valor do Redentor. Teremos visões mais plenas do Redentor e afetos mais vivos por Ele se pedirmos mais do Espírito Santo e dependermos mais dEle.
           
3.1.2   O Espírito Santo e o Novo Nascimento
João é o único evangelista a relatar que Nicodemos, um fariseu, membro do Sinédrio, visitou Jesus a fim de conhecê-lo. Durante esta visita Jesus lhe declara que precisava nascer de novo. Nicodemos pensou imediatamente no seu nascimento natural, mas o Mestre esclareceu que se tratava de um nascimento de outra espécie, o nascimento espiritual, ao afirmar: “Quem nasce de pais humanos é um ser de natureza humana; quem nasce do Espírito é um ser de natureza espiritual.” (BÍBLIA, João 3:6, p. 1059).
A regeneração é uma grande mudança realizada no coração do pecador pelo poder do Espírito Santo. Isto significa que algo é feito em nós e a favor de nós, poiso ser humano é incapaz de mudar sua natureza pecaminosa mediante seus próprios esforços.
A obra regeneradora do Espírito Santo se compara àlavagem com água, uma provável alusão àordenança do batismo. Não se quer dizer com isso que sejam salvos apenas aqueles que são batizados,poisé somenteo novo nascimento, operado pelo Espírito, e dramatizadono batismo em águas, quem tornaos pecadores remidos súditos do Reino dos Céus. Aqui Jesus recorrea um jogo de palavras para explicar a Nicodemos que o nascimento espiritual é um processo misterioso, que é visto somente pelos resultados que produz.“O vento sopra onde quer, e ouve-se o barulho que ele faz, mas não se sabe de onde ele vem, nem para onde vai...” (BÍBLIA, João 3.8, p. 1060)
A palavra gregausada nesse textoéπneuma(‘pneuma’)e significa tanto vento,quantoEspírito. O vento sopra de onde quer e para onde quer; Deus o dirige. O Espírito envia suas influências ocultas aonde, quando, e a quemquer, na medida e grau que lhe apraz. Embora as causas sejam ocultas, os efeitos são evidentes, quando a alma é levada a lamentar-se pelo pecado e a respirar segundo Cristo.

            3.1.3   O Espírito Santo e a Santificação
Em João 13.1-16 o evangelista registra o ato do “lava pés”. Ao lavar os pés dos seus discípulos Cristo mostra a importância da humildade e o valor da lavagem espiritual operada pelo Espírito Santo mediante o contato com a Palavra de Deus, que purifica a alma do pecado.
Somente os que são espiritualmente lavados por Cristo têm parte nEle. A todos os que Cristo reconhece e salva, também os justifica e santifica.
Todos os que desejam verdadeiramente ser purificados, devem buscar a santificação por completo. O crente verdadeiro é assim lavado pelo Espírito Santo e pela Palavra quando recebe a Cristo para sua salvação.

3.2    OEspírito Santo e Sua ação na igreja
Através dos escritos do evangelista João se percebe a estreita ligação entre a ação do Espírito Santo, o crescimento, o aperfeiçoamento e o fortalecimento da Igreja de Cristo.
Baseado nas profecias do Antigo Testamento (cf. Ezequiel 47:1-12; Zacarias14:8), Jesus declarouque a obra que o Espírito faria no interior de seus discípulos iria muito além de qualquer outra experiência prévia, dizendo: “Como dizem as Escrituras Sagradas: ‘Rios de água viva vão jorrar do coração de quem crê em mim’.” (BÍBLIA, João 7:38, p. 1067).
Esta “água viva” não pode ser algo diferente do Espírito que passa a habitar no coração dos crentes e os habilita a também outorgarem este fluir da graça de Deus a outras pessoas.
           
3.2.1   O Espírito Santo como Mestre e Guia
O Evangelista João registra em seus escritos que Jesus desejava ensinar muitas outras coisas aos seus discípulos, mas estes ainda não estavam prontos para recebê-las. Isto só poderia ocorrer após o derramamento do Espírito da verdade, no Pentecostes.
Ele é chamado de Espírito da verdade, pois dá testemunho da verdade e guia os homens a uma revelação mais ampla da verdade redentora.
Jesus prometeu:“Eu pedirei ao Pai, e ele lhes dará outro Auxiliador, o Espírito da verdade, para ficar com vocês para sempre.”(BÍBLIA, João 14:16, p. 1079). Ele estava assegurando que o Espírito Santo ensinaria todas as coisas e os faria lembrar tudo quanto havia dito aos seus discípulos (cf.João 14:26).
Jesus ainda declarou: “Porém, quando o Espírito da verdade vier, ele ensinará toda a verdade a vocês. O Espírito não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que ouviu e anunciará a vocês as coisas que estão para acontecer.” (BÍBLIA, João 16:13, p. 1081).
Sobre a busca por esta verdade Ryle aconselha:

“Desejamos compreender com mais clareza as doutrinas do Evangelho? Oremos diariamente para que o Espírito Santo nos auxilie com seu ensino. O ministério dEle consiste em iluminar nossas almas, abrir os olhos de nosso entendimento e guiar-nos em toda a verdade.” (RYLE, 2013, p. 196)


3.2.2   O Espírito Santo como Inspirador de Missões
Testemunhar de Cristo não é algo fácil, pois requer autoridade, manifestação de sinais e persistência em anunciar ao mundo pecador a verdade do Evangelho, denunciando o pecado e quase sempre andando na contramão da multidão que vive uma vida hedonista, relativista e pragmática.O poder, a autoridade, a unção e o conhecimento necessários aos discípulos de Cristo na obra evangelizadorasão providos pelo Espírito Santo. É Ele quem chama, dá as estratégias e coopera na árdua tarefa de anunciar o Evangelho, confirmando a palavra dos pregadores com os sinais que se seguem.Jesus deixou isto bem claro quando afirmou:

“– Quando chegar o Auxiliador, o Espírito da Verdade, que vem do Pai, ele falará a respeito de mim. E sou eu quem enviará esse Auxiliador a vocês da parte do Pai. E vocês também falarão a meu respeitoporque estão comigo desde o começo.” (BÍBLIA, João 15:26-27, p. 1080, grifo nosso)

           
3.2.3   O Espírito Santo e a Unidade da Igreja
Cristo orou pela unidade da sua Igreja e esta unidade também é obra do Espírito Santo. Por analogia, da mesma forma que o óleo lubrifica e diminui o atrito entre as engrenagens de uma máquina, o Espírito Santo torna a convivência entre os irmãos pacífica e suaviza os desgastes naturais dos relacionamentos, cumprindo assim o que disse o salmista: “Como é bom e agradável que o povo de Deus viva unido como se todos fossem irmãos!”(BÍBLIA, Salmos 133:1, p. 596).

a) Unidos pelo vínculo do amor
O Espírito Santo é quem gera amor no coração dos crentes para que vivam em unidade, apesar das diferenças. Ele ensina a perdoar e capacita os fortes tolerar os deslizes dos fracos, tratando-os com amor e misericórdia.
Jesus, no evangelho de João também ensina:

“O meu mandamento é este: amem uns aos outros como eu amo vocês. Ninguém tem mais amor pelos seus amigos do que aquele que dá a sua vida por eles. [...] O que eu mando a vocês é isto: amem uns aos outros.” (BÍBLIA, João15:12,13,17, p. 1080)


O apóstolo Paulo comunga desta opinião quando escreve aos cristãos em Roma, dizendo que “... Deus derramou o seu amor no nosso coração, por meio do Espírito Santo, que ele nos deu.” (BÍBLIA, Romanos 5:5, p. 1141).
           
b) Unidos por meio do Espírito de Cristo
Jesus, em sua oração sacerdotal, orou ao Pai, dizendo:“E peço que todos sejam um. E assim como tu, meu Pai, estás unido comigo, e eu estou contigo, que todos os que crerem estejam unidos a nós...” (BÍBLIA, João 17:21, p. 1082).
Esta unidade promovida pelo Espírito de Cristo gera um sentimento de pertencimento, identidade e cooperação mútua entre os irmãos. Pearlman argumenta:

“Os membros da Trindade tem um só propósito e desejo na sua obra visando a salvação humana; cada Pessoa da Trindade tem Seu ofício distintivo, porém, onde Um opera, os demais colaboram também. É este o alto ideal colocado diante da Igreja – muitos membros vinculados pelo único Espírito e cooperando para a mesma finalidade.” (PEARLMAN, 1982, p.162)


Os cristãos podem conhecer a unidade entre eles se viverem unidos a Jesus. Na alegoria da Videira Verdadeira (cf.João 15), o Espírito é a santa seiva que corre da raiz, passa pelo caule e atinge cada ramo que permanece ligado aeste caule que é Cristo. Cada ramo ou galho que vive unido à videira, também está, por conseguinte, unido com todos os outros ramos que compõem o mesmo.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao escrever seu relato a respeito de Jesus, o evangelista João selecionou cuidadosamente sua matéria, enfatizando as palavras e as obras de Deus, às quais ele chama de sinais.Estava claro em sua mente que seu objetivo primordial era levar seus leitores a crerem que Jesus é o Filho de Deus, utilizando seus escritos como postulados apologéticos contra as heresias dos gnósticos e ebionistas, cujos ensinos eram contrários à divindade de Cristo e a eficácia de sua obra redentora.
João conduz seus leitores a perceber que a inequívoca sabedoria e autoridade com que Jesus ministrava, além dos variados milagres que Ele operou, incluindo sua própria ressurreição, são provas incontestes deSua deidade.
O “discípulo amado” também deixa claro que a revelação da divindade de Jesus só pode ser recebida por ação do Espírito Santo na mente e no coração do ser humano. Por isso, se percebe que o Evangelho de João é o que mais fala a respeito da Terceira Pessoa da Trindade.
A ideia de um Espírito como pessoa divina é descortinadapor Jesus neste Evangelho. Depois de prevenir a respeito da perseguição que seus discípulos sofreriam após seu retorno ao Pai, o Mestre faz a promessa da vinda do Consolador, o Espírito que não os deixaria desamparados ou desorientados, mas que estaria sempre com eles e os conduziria à plena verdade.
O Evangelho de João apresenta o Espírito Santo sob um prisma até então desconhecido. Ele é revelado como o Consolador, o Ajudador ou Advogado que preencheria as necessidades dos apóstolos que se sentiam fracos e indefesos ao pensar na partida de Cristo.
O Espírito Santo seria de modo invisível e espiritual aquilo que Cristo tinha sido para eles de modo visível e literal durante os três anos e meio de seu ministério terreno.Ele exerceria ainda uma tríplice missão: trazer às pessoas incrédulas a convicção de seus próprios pecados, afastando-as do domínio de Satanás e conduzindo-as ao aconchego de Jesus Cristo, através da proclamação das “boas-novas” por meio dos discípulos que, cheios de poder e autoridade, testemunhariam do Filho de Deus pelo mundo inteiro.
          A Igreja hodierna vive a“Era do Espírito”, marcada pela manifestação profusa do seu agir, sinal irrefutável da iminente volta de Jesus para arrebatar Seu povo. Faz-se necessário, portanto, que cada crente conheça mais profundamente esta Pessoa Divina, busque o batismo com Espírito Santo e seus inefáveis dons. É preciso entrar em águas mais profundas a fim de que uma vida cheia do Espírito, que produza frutos dignos de arrependimento, e que seja capaz de cumprircom êxito a Grande Comissão.
Enfim, por tudo o que foi exposto, é inegável reconhecer que estudar, praticar e ensinar o evangelho de João é algo indispensável na caminhada cristã, pois ele fornece a base bíblico-teológica para que a Igreja viva na dimensão do Espírito e assim conheça e prossiga em conhecer ao Senhor, realizando a cada diaa Sua boa, perfeita e agradável vontade.


REFERÊNCIAS

ALENCAR, Oton Miranda de. Comentário Exegético da I Carta aos Coríntios. Brasília: Inove Editora, 2013, p. 169-199.

BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo NTLH. Nova Tradução na Linguagem de Hoje. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2005, p. 13-1200.

FARRAND, William. O Espírito Santo – Consolador, Mestre e Guia.Campinas: Instituto Cristão Internacional, 2012, p.108.

HOOVER, Richard. Evangelhos e Atos – As Narrativas da Vida de Jesus e o Nascimento da Igreja Primitiva. Pindamonhangaba: Instituto Bíblico das Assembleias de Deus, 2008, p. 15-151.

HÖRSTER, Gerhard. Introdução e Síntese do Novo Testamento. Tradução: Valdemar Kroker. Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 1996.

LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. Tradução: Darci Dusilek e Jussara Marindir Pinto Simões Árias. São Paulo: Hagnos, 2001, p. 271-281.

PEARLMAN, Myer. Através da Bíblia livro por livro.Tradução: N. Lawrence Olson. São Paulo: Editora Vida, 2006, p.233-281.

PEARLMAN, Myer. João: Ouro para te enriquecer.Tradução: Gordon Chown. Pindamonhangaba: Instituto Bíblico das Assembleias de Deus, 1982, p.140-165.

RYLE, John Charles. Meditações no Evangelho de João. São José dos Campos: Editora Fiel, 2013, p. 5, 188-217.

SILVA, Isaías Rosa da. Cristologia – Jesus, o Deus que se fez homem e habitou entre nós. Pindamonhangaba: Instituto Bíblico das Assembleias de Deus, 2006, p. 33-65.



[1] Artigo Científico apresentado ao Seminário Teológico da Assembleia de Deus (SETAD) como Trabalho de Conclusão do Curso de Bacharelado em Teologia, sob orientação do Prof. Dr. Jones Douglas Dias de Lima, em 07 julho de 2016.

[2] Pastor Evangélico, Educador, Especialista em Ensino Religioso e Bacharel em Teologia pelo Seminário Teológico da Assembleia de Deus (SETAD). E-mail: kleyzer@yahoo.com.br

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